sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A PROPÓSITO DO DIA DOS PAIS

Domingo, o segundo de agosto, é Dia dos Pais. Provavelmente, meus filhos me presentearão com alguma coisa: camisa, gravata, cinto ... E, acredito, acrescentarão um abraço. Sou um pai privilegiado. Porque muitos, certamente, não ganharão presentes – nem abraços.

Não gosto de ver privilégios. Muito menos de me ver como depositário deles. Tudo bem que tivéssemos um dia do ano dedicado aos pais – mas sem essa neura de presentes. O ideal seria se pudéssemos substituir os presentes por abraços, só abraços. Capricharíamos nos abraços – mais apertados, com mais afeto, mais emoção, mais sinceridade, mais... – um número maior de pais (e de filhos), certamente, ficariam felizes. Porque o abraço não custa nada, não pesa, não precisa ser comprado, não exige entrega com dia e hora certa. E tem mais: o abraço não tem embalagem para ser descartada, não vira sucata – coisas que contribuem para aumentar o lixo do mundo. Posso estar errado, mas cada vez mais me convenço de que o mundo precisa diminuir os comerciais e aumentar os abraços. Parece mais correto, até ecologicamente.

Creio que, na relação pai – filho, existe algo que transcende o nexo biológico sobre o qual se escora a cadeia inexorável da vida. Neste contexto, a matéria (comida, roupa, casa) seria apenas o combustível indispensável ao sustento do mecanismo superior do espírito, em cujos meandros é construída e se afirma a grandeza humana, desde as emanações mais sublimes do amor e da ética até as sensações comuns do nosso cotidiano, como o bem-estar e a felicidade. É nesta dimensão singela, sem arroubos ideológicos ou messiânicos, que costumo trabalhar o conceito de “partilha” – como se, fundindo a matéria e o espírito, pudéssemos “repartir o coração como uma hóstia, para todas as criaturas”, na expressão poética e feliz do nosso inesquecível Lindolfo Bell.

Meu pai já se foi. Pude dar-lhe poucos presentes. E não sei se lhe dei todos os abraços que merecia. Mas, em homenagem a ele, e a todos os pais que, desesperadamente, lutaram (e os que ainda hoje lutam) em busca do pão, vou pedir licença para reproduzir um poema que escrevi nos idos de 1964, quando ainda me inspirava a juventude. Poderia ter outro nome, mas prefiro manter o original. Assim:

CANÇÃO DO PAI MISERÁVEL
Orleans, 14.11.64)
I
Hoje eu trouxe pão.
Comam-no vocês, meus filhos.
Repartam-no em pedaços iguais;
E mastiguem devagar
A substância de cada pedaço.

Depois, tentem dormir.
Juntem-se bem sobre a palha
Porque a noite será longa e fria.

E, por favor,
Façam de novo uma prece.
Não importa o frio,
Não importa a fome,
Façam uma prece.
Talvez Deus, amanhã,
Possa dividir os telhados
E, quem sabe, dividir o pão.
Talvez Deus, amanhã,
Possa recolher a sobra dos banquetes
E descobrir que estamos aqui.

II
Obrigado, Senhor,
Eles dormiram.
Dormem e não pedem mais nada.
Parecem anjos — dóceis, saciados.

Mas, amanhã, vão despertar.
E de novo virá a fome,
E de novo vão querer o pão,
Que hoje acabou.

Eu já pressinto o lamento e o choro.
Eu conheço a sinfonia da dor.
Eu conheço o tamanho da misericórdia,
Nas migalhas esquecidas nas lixeiras,
Em finais de domingo.

Eu procurei culpados, Senhor.
Eu revolvi os meus dias,
Retalhei os meus gestos,
Fiz pedaços do meu coração.
Mas não achei a culpa
Nem a origem da vida gerada,
Para reverter ao começo.

Eu quis superar meus limites.
Eu quis entender os motivos da fome.
Eu forcejei com meu braço,
Para encontrar a fórmula
E as raízes do pão.

Eu me despi do orgulho.
Eu depositei minhas vestes
No altar da misericórdia,
Mas elas estavam suadas e rotas,
Por isso as recusaram.

Eu fui buscar a taça da justiça.
Mas estava nu e descalço,
Por isso não me fiz digno
De receber o troféu.

Eu quis o vinho do perdão,
Mas minha jarra era pobre
E eu não pude recolher
O pouco que sobrou.

III
Os meus filhos dormindo,
Eu não ousaria mais nada.
Mas, se me permitires, Senhor,
Peço-Te que me faças dormir também.
Mais que isso: dormir profundamente,
Para nunca mais me acordar.

Encerro: sinceramente, que nenhum pai, no Brasil ou no mundo, necessite algum dia reproduzir esta canção!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

VIOLÊNCIA: uma breve reflexão

Em Florianópolis, acontecem, por ano, 17,64 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. O índice é 76,4% superior ao limite considerado aceitável pela ONU (10 homicídios). É a capital mais violenta do Sul do país — o índice é de 15,5 em Porto Alegre e não passa de 15,5 em Curitiba. Outras 15 cidades catarinenses estão na mesma situação da capital — algumas, pior. Em Camboriú, a média é de 75 assassinatos por ano. Segundo as estatísticas oficiais, cerca de dois milhões de catarinenses convivem com índices de homicídios acima dos limites toleráveis.

Os números são incompatíveis com os indicadores sociais do Estado, admitem especialistas ouvidos pelo Diário Catarinense, que divulgou os dados (Ed. 19.7.09). Para alguns, a origem estaria no incremento do tráfico de drogas. As causas gerais do fenômeno, contudo, ninguém, concretamente, se arrisca a apontar. De fato, não se trata de tarefa fácil.

É preciso reconhecer que há pessoas capacitadas, dentro e fora da Polícia, seriamente preocupadas com o problema. Mas apenas conhecimento e vontade não o resolvem: são necessárias ações — que dependem dos governos. E é exatamente aí que os problemas começam. Primeiro, porque é trabalhoso pesquisar os motivos da violência e da criminalidade — e trabalho sério e difícil não tem sido o forte dos governos. Segundo, porque é tarefa demorada e pouco visível — praticamente não aparece e pouco impressiona o eleitor. Por isso, em vez de se ocuparem seriamente com o assunto, têm tido o hábito de optar pela exposição de viaturas policiais ao longo das avenidas. Nem sempre perquirem se o investimento é adequado ou prioritário; ou se há condutores habilitados para dirigi-las: importa a produção do espetáculo, a ostentação do ato de governo — como se isso, por si só, num passe de mágica, garantisse a segurança dos cidadãos.

Entrementes, sucedem-se reuniões de cúpula nos espaços seguros e intangíveis das hostes governamentais. Numa espécie de planejamento hedonístico, cuidam de sucessão, de composições partidárias, de distribuição de cargos, de marketing eleitoral, de emendas orçamentárias e direcionamento de verbas... Ninguém costuma deter-se para indagar por que os assassinatos estão ocorrendo ou para discutir o que, efetivamente, poderia ser feito para evitá-los ou reduzi-los. E é nesse vácuo, marcado pela indiferença e pela irresponsabilidade política, que se desvanecem os ânimos e as esperanças — tanto dos agentes que se propõem a combater a violência, quanto da população, que continua submetida ao jugo da angústia e do medo. A dor não chegou às cúpulas do poder — ainda.




terça-feira, 28 de julho de 2009

A CASTRAÇÃO DA REPÚBLICA

O Ministério Público levou um puxão de orelha. Aconteceu recentemente na solenidade de posse do novo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel. No seu discurso, o Presidente Lula foi incisivo: disse que o Ministério Público “tem a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado”. E advertiu: “... porque um dia vai aparecer alguém que acha que vocês são demais e vai mandar mudanças para o Congresso Nacional. [...] E nós sabemos que a mudança nunca será para mais liberdade, será para mais castramento”.

Em certa medida, tem razão. Nenhum agente público pode demitir-se do compromisso com a imparcialidade, a prudência e a discrição — nem mesmo o Presidente ou o Procurador-Geral da República. Ficou evidente, todavia, que não estava preocupado em realçar esta questão. Queria mesmo é preservar as “biografias”, poupá-las de constrangimentos que poderiam advir de circunstanciais arroubos de virilidade institucional por parte de integrantes do Ministério Público. É a interpretação que mais se afeiçoa ao perfil político do Presidente depois de proclamar a intangibilidade do senador José Sarney, a despeito da repulsa pública ao seu desempenho como presidente do Senado Federal. Preocupa. Não porque possa vergar o Ministério Público, mas porque, na tentativa de proteger “biografias”, sugerindo um tratamento especial a quem as possui, o discurso teria negligenciado as cautelas devidas àqueles que não as possuem, tal como acontece com a freguesia diária das páginas policiais — que, muitas vezes à margem do contraditório, apresenta-se ainda como caudatária da impetuosidade da mídia e do aparato repressivo estatal.

Visto de outro ângulo, o discurso do Presidente exibiu um Parlamento de reduzidas virtudes: não teria grandeza para assimilar com serenidade as críticas e censuras nutridas pela seiva da democracia; e, num ocasional acesso do sentimento corporativo, poderia fulminar, com a letalidade de seus poderes constitucionais, qualquer iniciativa aparentemente capaz de diluir ou fracionar os méritos de que se presume credor. O recado foi no sentido de ninguém, exceto os parlamentares — e, obviamente, o Presidente — poderia brilhar, ser considerado “demais”. Se isso acontecesse, as mudanças poderiam vir — “para mais castramento”.

O desvio de perspectiva é visível. Apesar de habitualmente ignorado e, às vezes, infringido, o pacto constitucional é inderrogável: Presidente, procurador-geral da República, senadores, deputados, juizes, promotores, todos os brasileiros, enfim, carregam consigo a responsabilidade de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, livre de “preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Significa que, na gestão da República, não cabe exclusão nem amesquinhamento: a responsabilidade republicana precisa ser assumida na plenitude da virilidade e do vigor ético de todos os seus órgãos, Poderes e instituições. Neste contexto, é digna de repúdio qualquer cogitação ou ideia de castração política: a República é viril — uma virilidade que só se faz fecunda se respeitados, em toda a sua dimensão, o direito e a liberdade de cada brasileiro, tenha ou não uma “biografia” capaz de merecer a preocupação presidencial.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Transparência, Demagogia e Heróis

O prefeito da cidade de São Paulo decidiu colocar na internet o nome e o salário dos servidores municipais. Fez um estardalhaço. Disse que estava sendo transparente — a população precisava saber quanto o Município gastava com pessoal. Os aplausos, incluído o do presidente do Supremo Tribunal Federal, não chegaram a impressionar. Sinal de que o povo começa a ver as diferenças entre a honestidade de propósitos e a demagogia.

E, vamos combinar: se o prefeito quisesse, realmente, acabar com os funcionários fantasmas e os salários ilegais, bastava cortar a remuneração de quem não estivesse comparecendo ao trabalho ou recebendo além do devido. O impacto nos meios de comunicação talvez fosse menos estrondoso, mas os resultados práticos, por certo, seriam maiores e mais consistentes — além de juridicamente sustentáveis. Mas o problema era a ribalta política — como criar um cenário eleitoralmente auspicioso? A coisa não podia ficar dentro da normalidade. Daí, no lugar do bom senso e da eficiência, veio o arroubo, o fragor da decisão (de validade jurídica duvidosa), o berreiro dos sindicatos, as bravatas... Porque essas coisas dão ibope, colocam o personagem sob holofotes, exaltam suas vaidades, acenam com perspectivas eleitorais alvissareiras, podem influir no resultado das pesquisas.

O caso, lamentavelmente, não é isolado. Essa tendência de misturar transparência com embuste e demagogia é um fenômeno visível em praticamente todas as instâncias de governo (federal, estaduais e municipais), de norte a sul do país. Decorre da patologia moral que costuma transformar em ato de heroísmo aquilo que, em verdade, não passa de simples cumprimento do dever. Sustar o pagamento de um servidor fantasma, equipar um hospital, formar um professor, construir uma rodovia..., são obrigações do administrador público. Simples obrigações. Mesmo que as cumpra com zelo e eficiência, não se faz credor privilegiado de aplauso nem merece ser endeusado pela propaganda, às custas do dinheiro do contribuinte. Afinal, apenas cumpriu o seu dever, não é herói.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

"XERIFE SEM MUNIÇÃO"



O jornal Folha de S. Paulo pegou pesado no Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. Disse que é “uma espécie de xerife sem munição que não sabe o que acontece nas suas barbas” (ed. 6.7.09). O Conselho defendeu-se, alegando falta de dinheiro para municiar o xerife (apenas 10 milhões de reais por ano).

A crítica não surpreende. Nem pode ser considerada injusta. O problema é que a denunciada astenia do CNMP seria apenas uma singela mostra do imobilismo e da fragilidade de que padece a maioria dos órgãos públicos brasileiros, resultado da improvisação inconsequente do Estado — que os cria e difunde, mas não consegue oferecer os meios para que operem com eficiência; nem cobra os resultados que deveriam gerar. O processo parece esgotar-se nos atos formais de criação e instalação, como se estes, incensados pela propaganda pública, fossem suficientes para fazerem as coisas funcionar e legitimassem o legislador e os governos ao aplauso da população. É assim que a vaca caminha para o brejo. E tende a morrer atolada. Daí, nada recomenda insistir na criação de mecanismos de controle, acenando o propósito de corrigir desvios éticos de órgãos e instituições públicas, enquanto nos comandos superiores da Nação as lanternas morais se mantiverem apagadas ou continuarem imprestáveis para irradiar exemplos de eficiência, dignidade e justiça.

Sem dúvida, o CNMP merece a pecha de “xerife sem munição”. De repente, mais por falta de pontaria do que por falta de munição. Ou, sob outra ótica, por ter escolhido mal os alvos em que acertou.

Seja como for, o conceito de “munição”, no sentido em que foi utilizado, reclama uma revisão. O Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por exemplo, tem uma arma tão eficaz quanto a do CNMP: a legitimidade para agir, garantida pela Constituição. E, para pô-la em funcionamento, dispõe de um orçamento 12 vezes maior (122 milhões de reais). Mas, paradoxalmente, começou o mês de julho com um estoque de 3,6 mil processos sem julgamento.

A indagação a ser feita é simples: até que ponto o avantajando dispêndio financeiro com a manutenção das estruturas públicas significa garantia de bons resultados? Veja-se o Senado Federal. Com seus 10 mil servidores e um orçamento de 2,7 bilhões de reais, sofre de uma anemia moral tão profunda que não consegue sequer arrastar-se até a luz. Foi obrigado a esconder seus atos e a funcionar às sombras, para não mostrar as suas vergonhas — que, para efeitos externos, são também as vergonhas do próprio Brasil.

Supõe-se superada a fase de desculpas esfarrapadas. Munição existe. O problema está na concepção e no uso do arsenal. Não adianta inflar os orçamentos, encher o cofre de dinheiro e borboletear de norte a sul do país. Porque — todos sabem — munição que realmente funciona é aquela que, modelada pelo senso de responsabilidade, se instala no coração dos homens, sob inspiração da Ética e da Justiça. Sem isso, o xerife pode armar-se até os dentes. Mas a tendência é perder o duelo — faltará pólvora moral na munição.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A BALANÇA DESIQUILIBRADA



O legislador brasileiro tem relevado uma grande dificuldade de lidar com a balança. Quando, vencida a estiagem democrática, veio a lume a Carta de 1988, nela ficou escrito que um dos objetivos fundamentais da República brasileira seria “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Além de evocação ética, a expressão se agiganta como comando jurídico de observância obrigatória. Mas não adianta, a balança continua pensa: os interesses pessoais e corporativos pesam mais que a justiça e a igualdade.

Em época mais recente, a pretexto de aperfeiçoar o Judiciário, foi editada a Emenda Constitucional 45/2004, na qual o legislador inseriu uma norma proibindo magistrados e promotores de exercerem a advocacia perante os juízos ou tribunais onde houvessem atuado, pelo menos durante três anos após a aposentadoria. Presumiu que, mudando logo de profissão, poderiam valer-se do prestígio amealhado ao longo da antiga carreira e vir a comprometer a imparcialidade das decisões judiciais, beneficiando indevidamente seus clientes.

O propósito não seria ruim se não fosse obscuro e discriminatório. Observe-se que, enquanto aos juizes e promotores é imposta uma quarentena mínima de três anos, outros agentes públicos migrado sem qualquer estágio, diretamente dos palcos esfuziantes do parlamento ou da capatazia ideológica dos governos para as cadeiras monásticas dos tribunais superiores. E, com as paixões partidárias ainda incandescentes, vão logo despejando liminares e sentenças, sem excluir do rol dos favorecidos nem mesmo os governantes que os patrocinaram, conquanto albergados nos partidos políticos cujos interesses até então defendiam com abnegação e fervor.

Pelo menos algum freio a eles deveria também ser imposto. Não é razoável nem se afeiçoa com o princípio da igualdade a premissa de que seriam menos suscetíveis a paixões do que os juizes e promotores. Por isso, a judicatura não poderia ser-lhes liberada sem peias. Não que se possa ou se deva, generalizadamente, negar-lhes a virtude da imparcialidade. Mas a questão é que, para a sociedade, ficará sempre o tormento da dúvida — se a decisão foi ou não imparcial. Isto não é bom para a paz social. Nem para a justiça.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

OLHO VIVO




A notícia corrente, amparada em fontes do Tribunal de Contas da União, é de que cerca de 38 mil convênios federais deixaram de ser monitorados em 2008, envolvendo um volume de recursos da ordem de 13 bilhões de reais. Significa que não se sabe se o dinheiro chegou ao destino; e, se chegou, se foi regularmente distribuído. Ao mesmo tempo, as primeiras informações vazadas da CPI da Petrobrás estarrecem. Mesmo com a ministra Dilma Roussef na presidência do Conselho de Administração, a estatal, apesar dos seus 650 advogados, gastou sem licitação 180 milhões de reais em consultoria jurídica; e teria viabilizado o repasse de outros 8,5 milhões para as campanhas eleitorais do PT, em 2006 e 2008. Mas não tem jeito, a CPI não decola. A preferência oficial é pelas sombras.

Curioso é que a Controladoria-Geral da União - CGU, órgão federal criado para prevenir e combater a corrupção, paradoxalmente, não está nem aí. Cheia de pose, aproveita para trilhar o país promovendo o programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”. Dia 22 deste mês (junho de 2009), abre o 5º Encontro de Mobilização, no auditório da universidade federal em Florianópolis. Circularam centenas (talvez milhares) de convites, com timbre oficial da Presidência da República e tudo, destacando inclusive a participação oficial do Ministério Público. Sem dúvida, uma oportuna tentativa de tapar os olhos da população, para que não perceba que o grande responsável pelo sumiço e malversação do dinheiro público não tem sido ninguém mais ninguém menos do que o próprio Governo.

A CGU, sabidamente, é apenas instrumento subalterno da Presidência da República. Ocupa-se com a espionagem administrativa dentro das linhas aliadas e tem a missão de posar para o público com a roupagem (obviamente, falsa) de paladino da moralidade, tal como faz agora na difusão do programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”. Por isso, não causa surpresa que tenha a cara-de-pau de trazer a encenação para o campus universitário. Afinal, é um território fértil para plantios ideológicos, com perspectiva de boas colheitas. A surpresa maior, na verdade, fica por conta do Ministério Público, ao permitir sua inclusão no elenco da pantomima — depois de ter recebido da sociedade os meios e a legitimação para defendê-la com absoluta independência. Com todas a vênias, na atual conjuntura histórica, é uma parceira que não engrandece. A solidão seria mais honrosa.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Como o Diabo Gosta

Não é preciso pessimismo nem má-vontade para perceber que o Estado de Santa Catarina mais parece um feudo sem freios, cujo processo político transita à margem do contraditório.

No Parlamento, os apetites pessoais e partidários reduziram a resistência das oposições. Cooptadas por sucessivos e oportunistas ajustes, hoje deixam o trânsito livre para o Executivo — que tem aprovado tudo o quer, e do jeito que quer.

A escolha dos membros do Tribunal de Contas atende a conveniências eleitorais, ficando em segundo plano o compromisso com a qualificação do órgão para o resgate de suas relevantes funções institucionais, condição inarredável para o efetivo controle da aplicação dos recursos públicos.

A Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público mantêm um silêncio protocolar, aquietados estrategicamente dentro das fronteiras de seus interesses corporativos.

Na composição do quinto constitucional, junto à Corte de Justiça do Estado, as afeições pessoais ao Governo têm tido influência maior do que a vocação e o preparo técnico dos candidatos — porque, na ordem dos valores, mais importante é que o sistema jurisdicional, se não puder ajudar, pelo menos não atrapalhe os projetos do Governo.

A imprensa fundiu-se em monopólio e cartelizou o conteúdo da informação, estimulando a vassalagem dos gestores públicos e mitigando o senso crítico da população. É comum, nos textos e nas imagens da mídia, ver realçado mais aquilo que convém aos detentores do poder do que aspectos pontuais e relevantes da notícia, que a sociedade precisaria conhecer.

É um cenário preocupante — como o Diabo gosta!

sexta-feira, 27 de março de 2009

Respeito aos Tribunais de Contas!

Não é edificante, do ponto de vista da ética política, a forma como transita na mídia a questão relativa ao preenchimento dos cargos de conselheiro dos Tribunais de Contas. Pelo menos em Santa Catarina. Repassa e impressão de que as preocupações são mais de cunho político-partidário do que institucionais. Importa mais saber que espaços políticos seriam abertos a partir da indicação desse ou daquele candidato do que qual a contribuição que poderia ser dada para o resgate efetivo dos compromissos funcionais do órgão.

Não é justo. Nem para os Tribunais de Contas nem para aquele que deverá integrá-lo. Menos ainda para a população.

De acordo com a Constituição, cabe aos Tribunais de Contas exercer a fiscalização orçamentária, contábil, financeira e operacional dos entes públicos — para saber se foram observados os princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade, se as subvenções foram corretamente aplicadas e se não houve renúncia irregular de receita. Convenhamos, é uma função muito importante para ser exposta no tabuleiro xexelento onde costumam ser negociados os interesses político-partidários. Nenhum Tribunal de Contas merece.

Também é ruim para o virtual e futuro conselheiro. Tratam-no, muitas vezes, como um fantoche, à mercê dos interesses do partido (ou dos partidos), sem qualquer realce dos atributos pessoais que o qualificariam ao exercício do cargo. É quase uma desumanidade.

A população, por fim, é quem mais padece. Fica com a sensação de que a classe política, definitivamente, preocupa-se mais em sustentar-se no poder, viabilizando projetos pessoais de alguns de seus integrantes, do que em acudir aos superiores interesses da Nação. E eis que, por conta disso, crenças e esperanças se desvanecem, alcançadas pelas cinzas de uma ética política frágil e decadente. É de chorar!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Sua Majestade o Soneto

O que é um soneto? Muitos, talvez, não saibam responder. Muitos dos modernos compêndios de gramática já não falam dele. Compreende-se. A vida atual reclama praticidade, urgência, resultados. Já não basta “ser”, é preciso “ter” – porque ninguém reparte. E isso não combina com as antigas formas de expressão poética, que exigiam ritmo, métrica e rima – consequentemente, tempo e paciência.

De fato, compor um soneto não era tarefa fácil. O mais comum era o decassílabo (ou heróico). Compunha-se de dois quartetos (conjunto de quatro versos) e dois tercetos, com rima cruzada ou intercalada nas sílabas finais de cada verso. Mas a dificuldade maior não era a rima, que devia, preferencialmente, ser rica (palavras de categorias gramaticais diferentes com terminações incomuns), em oposição à rima pobre (palavras da mesma categoria gramatical com as terminações correntes ão, ar, ava, ado). O problema é que cada verso precisava de dez sílabas poéticas, com acentuação tônica na sexta e na décima, na segunda, na quarta e na décima ou na quarta, na oitava e na décima – tudo para garantir-lhe a cadência, o ritmo. Mais um detalhe: considerava-se sílaba poética somente aquela foneticamente audível. Isto dificultava ainda mais a composição, já que nem sempre havia identidade entre as sílabas poéticas e as gramaticais.

Terminar um soneto demandava grande empenho. Do cérebro e do coração. Do cérebro, para garimpar palavras, compor e recompor frases, invertê-las, amoldá-las ao gabarito, diversificar a maneira de dizer; do coração, para sustentar o sentimento e a verve inspiradora que serviam de suporte para o poema em gestação. Os embaraços eram frequentes: fechava a rima, faltavam sílabas; arrumavam-se as sílabas, bagunçava-se a cadência. E lá se iam horas, muitas horas, para terminar (o que nem sempre acontecia) um pequeno texto de 14 linhas. Mas, finalmente, lá estava ele, o soneto, esbelto, majestoso, gratificante como um troféu duramente conquistado. Ufa! Viva o soneto!

Camões, Bilac, Vinicius, e outros tantos, deixaram para a história sonetos de rara inspiração e beleza. De Camões, por exemplo, é memorável o seu Soneto XIII: Alma minha gentil, que te partiste/Tão cedo d’esta vida descontente,/Repousa lá no céu eternamente,/E viva eu cá na terra sempre triste.[...].De Bilac, o Língua Portuguesa: Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/Ouro nativo, que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos vela...[...]. E, de Vinícius, o Soneto de Fidelidade, que termina assim: Eu possa me dizer do amor (que tive):/Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure.

Mas, para homenagear o soneto, vale também Júlio Salusse. A composição encanta, pela serenidade e esplendor poético:
CISNES

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol, vermelho e quente,
Nós dois vagamos, indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia, um cisne morrerá por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne...
(
Extraído do livro Antologia dos Poetas Brasileiros. Rio: Nova Fronteira, 1996, p. 287)


Viva o soneto!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Como morrem as instituições

As instituições não nascem do legislador. A lei pode até definir o momento a partir do qual elas passam a existir e a maneira como devem funcionar. Mas quem as cria é o povo. Elas são fruto da cultura, expressão das tradições e dos costumes, da ética coletiva. São o repositório dos valores que orientam a evolução histórica de uma dada comunidade humana no tempo e no espaço.

Por apresentarem esse perfil, costumam ser mais estáveis e duradouras do que os órgãos públicos. Algumas a própria Constituição as define como “permanentes”, como é o caso do Ministério Público e das Forças Armadas. Mas isto não significa que sejam imperecíveis e imutáveis: é o pulsar da sociedade que as modela, determina o seu crescimento, a sua estagnação ou a sua morte.

Embrionariamente, as instituições desenvolvem-se no caldo de cultura no qual está mergulhada a sociedade. É ali que elas se delineiam e têm definidas suas funções e finalidades. Mas, depois, só crescem e se sustentam se demonstrarem capacidade para atingir os fins para os quais foram engendradas. Caso se mostrem inaptas, perdem a outorga social em favor de outro organismo qualquer, capaz de implementar a tarefa perante a qual fraquejaram. Tudo porque a sociedade é um organismo vivo e inteligente, em luta inexorável e contínua pela conquista do bem-estar coletivo. E, em seu elevado senso crítico, não tolera a ineficiência, a omissão ou o desvio de rumo de suas instituições.

Vários fatores podem determinar o enfraquecimento e a morte das instituições. A fanfarronice e o egoísmo corporativo, e a miopia política, são os mais comuns.
A fanfarronice corporativa acontece quando a instituição, imaginando-se rica e poderosa, cai direto na farra, banqueteando-se com o estoque do patrimônio político e material anteriormente amealhado. Supondo-o inesgotável, nada faz para renová-lo: não cria, não trabalha, não se despoja do supérfluo, não regula a gastança inútil. Como se a sua história, por si só, a legitimasse ao crédito e ao respeito popular. A consequência não tarda: a sociedade cansa e a dispensa.
O egoísmo corporativo não é muito diferente. A instituição abandona sua posição real e encastela-se; arvora-se em reino independente, empina o nariz, institui monopólios: da sabedoria, da sensibilidade política, das boas intenções. E assim, soberba, desconfia das suas vizinhas e co-irmãs, descrimina-as, nega-se a estender-lhes a mão ou a com elas compor forças. Supõe que, sozinha, poderá promover o bem comum, sem necessidade de repartir os possíveis benefícios políticos que poderão vir depois. O resultado é inevitável: morre no desprezo e na solidão.
Dos três fatores citados, a miopia política parece o mais disseminado. A instituição politicamente míope não consegue identificar os verdadeiros motivos pelos quais existe; nem os resultados que pode e deve gerar. É um ente político atormentado, errático, quase inútil. Sua existência é mantida às custas de uma burocracia vegetativa, floreada com raras e ineptas ações finalísticas que, quando não fracassam no início, acabam errando o alvo. Ou acertando aquele que devia ser poupado. Instituições desse tipo são modorrentas, onerosas, custam a desaparecer. Mas, devagar, vão perdendo o viço, o prestígio, o respeito. Finalmente, morrem de inanição.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Passaporte para matar


De acordo com a lei, cabe ao Ministério da Justiça defender a ordem jurídica, os direitos políticos e as garantias constitucionais. Defender a ordem jurídica significa zelar para que as leis sejam fielmente cumpridas, inclusive aquelas que protegem a vida, a integridade física e a propriedade.
O ministro Tarso Genro parece não saber disso. Recentemente, integrantes do MST assassinaram sem piedade quatro pessoas no Estado de Pernambuco. Diante da gravidade e da repercussão do crime, o dever do ministro era empenhar-se para ver os responsáveis punidos. Rapidamente. Preferiu, contudo, minimizar o fato, qualificando-o como uma simples “mobilização mais arrojada”.
Não é a primeira vez que a paixão ideológica do ministro prevalece sobre os ditames da ordem jurídica. Não faz muito, colocou o Brasil em maus lençóis e irritou a comunidade européia ao conceder asilo político ao fugitivo Cesare Battisti, condenado na Itália pela prática de quatro assassinatos. Argumentou que se tratava de “perseguição”, e que os crimes por ele cometidos seriam “políticos”, contrapondo-se à decisão soberana da justiça italiana.
Posições como essas, num país com índices crescentes de violência e criminalidade como o Brasil, são extremamente perigosas — ainda mais quando assumidas pelo ministro responsável pela promoção da justiça. Permitem presumir que, para defender uma ideologia, pessoas poderiam ser oficialmente autorizadas a receber um novo passaporte: o passaporte para matar.
Todos sabemos que, como cidadão, o senhor Tarso Genro pode apaixonar-se por qualquer doutrina, pensar e dizer o que quiser. Mas, como Ministro de Estado, deve obedecer plenamente à Constituição e às leis brasileiras. Se não consegue fazer isso, que vá embora. Não serve para ministro.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Produtividade e Justiça

O sistema de justiça no Brasil (compreendido, restritamente, como a expressão operacional da Advocacia, do Ministério Público e do Judiciário) começa, a exemplo do que há muito acontece na iniciativa privada, a preocupar-se com a produtividade. Estaria com a pretensão de dar fim às montanhas de processos sem julgamento existentes nos fóruns e tribunais.
É motivo de otimismo. Mesmo não sendo espontânea, já que a definição de metas de produtividade foi estabelecida pela pela Reforma do Judiciário, não seria justo presumir que essa preocupação em nada contribuirá para a agilização da justiça.
O que não se pode afastar é o risco de o sistema, no afã de incrementar a produtividade, vir a gerar mais números do que justiça. A tentação é grande. Afinal, são os números, estampados em gráficos e relatórios, que costumam estimular as volúpias corporativas, desencadeando pleitos nem sempre justificáveis de expansão estrutural e de aumento do número de cargos e de salários. São eles também (os números) que, através do marketing, podem repassar a impressão de que o dever de casa foi intregralmente cumprido, projetando um virtual fortalecimento do patrimônio político das corporações.
E é muito fácil gerar números! Dá para exemplificar. Caso 1: Ao receber milhares de ações de cobrança de IPTU, o juiz constata uma irregularidade e opta por extinguir todas elas - embora pudesse mandar corrigi-las. Com isso, ela gera milhares de sentenças, que podem gerar milhares de recursos e, depois, milhares de acórdãos do tribunal que irá apreciá-los. Caso 2: Uma concessionária de serviço pública lança irregularmente uma determinada taxa nas faturas. O sistema (leia-se, no caso, o Promotor), mesmo podendo atacar globalmente o problema através de uma ação coletiva, permanece inerte, exigindo que cada um dos prejudicados vá à Justiça sozinho buscar a reparação do prejuízo, atulhando o fórum com outras tantas milhares de ações.
Pronto, eis os números! E são esses números que, muitas vezes, inflam as planilhas de produtividade. E também o o ego das corporações.
Que não haja ilusões, situações como essas não são raras. E não se pode negar que comprometem a credibilidade e o conteúdo ético dos dados estatísticos apresentados pelo sistema e dificultam sobremaneira o exercício dos controles confiados ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Talvez fosse o caso de, em vez da produtividade, dar maior ênfase à racionalidade e à eficiência. Não para gerar apenas números, mas para gerar justiça. Para reduzir, efetivamente, os conflitos. A paz social sairia enriquecida.

terça-feira, 3 de março de 2009

Nepotismo, realidade e mito

Foi notável a contribuição do Ministério Público, especialmente do catarinense, no combate ao nepotismo. Resultado de ação desenvolvida ao tempo da gestão do Procurador-Geral Pedro Sérgio Steil, muitos municípios no Estado modificaram suas leis e acabaram proibindo a nomeação de parentes para cargos de confiança na Administração. E, no plano nacional, o Supremo editou a Súmula Vinculante n. 13, probindo práticas nepotísticas em todo o país. É possível que a iniciativa de Santa Catarina tenha contribuído.
São registros positivos. Presume-se que estimularão a ética administrativa e poderão reduzir o parasitarismo no serviço público, resultante da nomeação de parentes não qualificados, ainda frequente no país.
Mas é preciso acompanhar esse processo com cautela. Há iniciativas que, apesar do aparente conteúdo ético, não conseguem ocultar seu caráter demagógico, além de serem juridicamente pouco eficazes. É o caso, por exemplo, do decreto assinado dia 6 de novembro de 2008 pelo governador de Santa Catarina. Tratando-se de "decreto", norma unilateral e subalterna, que nasce e morre segundo a vontade de quem a edita, serve mais para mascarar do que para definir marcos jurídicos aptos a inibir, realmente, o nepotismo.
Prestigiada pela mídia, a medida é eleitoralmente eficaz. Do ponto de vista ético-jurídico, vale pouco. O decreto não acaba com o nepotismo. Apenas consegue mascará-lo e ocultá-lo, na medida em que se limita a remeter os casos identificados à "análise" da Secretaria da Administração (art. 5º, § 2º). Se houvesse a real intenção de exterminá-lo, teria determinado a anulação de todos os atos de nomeação editados em desacordo com a Súmula. E o Governador teria proposto emenda à Constituição Estadual probindo-o em todo o Estado de Santa Catarina. Não o fez.
Por essa e por outras, conclui-se que a ética na administração pública é um cenário ainda distante. E, para construí-lo, vislumbra-se uma longa e penosa caminhada. Para vencê-la, será preciso mais do que perfumarias: exigem-se sentimentos e valores éticos verdadeiros por parte dos agentes públicos, especialmente os que detêm poder. A questão é moral, muito mais do jurídica - uma nova cultura precisa ser construída.