quarta-feira, 11 de março de 2009

Produtividade e Justiça

O sistema de justiça no Brasil (compreendido, restritamente, como a expressão operacional da Advocacia, do Ministério Público e do Judiciário) começa, a exemplo do que há muito acontece na iniciativa privada, a preocupar-se com a produtividade. Estaria com a pretensão de dar fim às montanhas de processos sem julgamento existentes nos fóruns e tribunais.
É motivo de otimismo. Mesmo não sendo espontânea, já que a definição de metas de produtividade foi estabelecida pela pela Reforma do Judiciário, não seria justo presumir que essa preocupação em nada contribuirá para a agilização da justiça.
O que não se pode afastar é o risco de o sistema, no afã de incrementar a produtividade, vir a gerar mais números do que justiça. A tentação é grande. Afinal, são os números, estampados em gráficos e relatórios, que costumam estimular as volúpias corporativas, desencadeando pleitos nem sempre justificáveis de expansão estrutural e de aumento do número de cargos e de salários. São eles também (os números) que, através do marketing, podem repassar a impressão de que o dever de casa foi intregralmente cumprido, projetando um virtual fortalecimento do patrimônio político das corporações.
E é muito fácil gerar números! Dá para exemplificar. Caso 1: Ao receber milhares de ações de cobrança de IPTU, o juiz constata uma irregularidade e opta por extinguir todas elas - embora pudesse mandar corrigi-las. Com isso, ela gera milhares de sentenças, que podem gerar milhares de recursos e, depois, milhares de acórdãos do tribunal que irá apreciá-los. Caso 2: Uma concessionária de serviço pública lança irregularmente uma determinada taxa nas faturas. O sistema (leia-se, no caso, o Promotor), mesmo podendo atacar globalmente o problema através de uma ação coletiva, permanece inerte, exigindo que cada um dos prejudicados vá à Justiça sozinho buscar a reparação do prejuízo, atulhando o fórum com outras tantas milhares de ações.
Pronto, eis os números! E são esses números que, muitas vezes, inflam as planilhas de produtividade. E também o o ego das corporações.
Que não haja ilusões, situações como essas não são raras. E não se pode negar que comprometem a credibilidade e o conteúdo ético dos dados estatísticos apresentados pelo sistema e dificultam sobremaneira o exercício dos controles confiados ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Talvez fosse o caso de, em vez da produtividade, dar maior ênfase à racionalidade e à eficiência. Não para gerar apenas números, mas para gerar justiça. Para reduzir, efetivamente, os conflitos. A paz social sairia enriquecida.

Um comentário:

  1. Produtividade na Justiça. É extremamente preocupante a ‘determinação’ de que, até o final do ano, sejam julgados os mais de cinco milhões de processos distribuídos antes de 2006. Não se nega que, em grande parte, a culpa da demora é também do descaso de muitos magistrados, que estão mais preocupados com suas atividades pedagógicas, com seus escritos doutrinários, participação em congressos, cursos etc. do que com a judicatura. Todavia, diversos outros fatores existem que, com a imposição de julgamento, estão sendo desconsiderados. Não se diz nada, por exemplo, do aumento, desde 1988, dos direitos das pessoas, que, se não-atendidos, impõem a busca do Judiciário, para o que não se lhe aparelhou, devidamente, nem em estrutura, nem em funcionários e muito menos em número de juízes. Atente-se que, antes de 1988, não se falava em dano moral, união estável, improbidade administrativa, defesa do consumidor. Outros segmentos eram cogitados, mas ainda assim não em igual dimensão, como se dá com a infância, juventude e idosos. Aduza-se a isso a estrutura dos Juizados de pequenas causas, nos quais a irresponsabilidade da demanda é fato corriqueiro. Sem pagar custas e sem correr o risco de qualquer condenação, mesmo se de má-fé estiver, o demandante a eles dirige-se pouco esclarecido sobre seus efetivos direitos, mas com possibilidade de molestar outrem, ainda que direito algum possua. A estrutura da Justiça – e não é por conta da lei processual – está comprometida, até por força da falta de condições melhores de trabalho e capacidade de absorver o crescente número de demandas. Por força disso, soa inegavelmente absurda a imposição do julgamento, até porque essa imposição, que recende a mutirão, consentirá com julgamentos menos elaborados, decisões mais ou menos razoáveis, algumas omissões e contradições, tudo isso próprio dos mutirões, que relevam a qualidade. Ao final, essa limpeza jogará fora, com o julgamento, muito lixo, mas sem dúvida com ele irão coisas aproveitáveis e a injustiça ficará sedimentada com a qualidade da coisa julgada. Mais grave, porém, é que as coisas não revertem – e falo isso com 35 anos de Advocacia – de modo que se instalará, definitivamente, o clima de mutirão e a Justiça ficará só preocupada com as estatísticas, com os números, jamais retomando a qualidade, o que será um convite para demandar, principalmente para quem não tem razão, mas pode, apesar disso, conseguir tirar algum proveito da situação.
    CLITO FORNACIARI JÚNIOR (http://jurisdrops.blogspot.com)

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