segunda-feira, 23 de março de 2009

Sua Majestade o Soneto

O que é um soneto? Muitos, talvez, não saibam responder. Muitos dos modernos compêndios de gramática já não falam dele. Compreende-se. A vida atual reclama praticidade, urgência, resultados. Já não basta “ser”, é preciso “ter” – porque ninguém reparte. E isso não combina com as antigas formas de expressão poética, que exigiam ritmo, métrica e rima – consequentemente, tempo e paciência.

De fato, compor um soneto não era tarefa fácil. O mais comum era o decassílabo (ou heróico). Compunha-se de dois quartetos (conjunto de quatro versos) e dois tercetos, com rima cruzada ou intercalada nas sílabas finais de cada verso. Mas a dificuldade maior não era a rima, que devia, preferencialmente, ser rica (palavras de categorias gramaticais diferentes com terminações incomuns), em oposição à rima pobre (palavras da mesma categoria gramatical com as terminações correntes ão, ar, ava, ado). O problema é que cada verso precisava de dez sílabas poéticas, com acentuação tônica na sexta e na décima, na segunda, na quarta e na décima ou na quarta, na oitava e na décima – tudo para garantir-lhe a cadência, o ritmo. Mais um detalhe: considerava-se sílaba poética somente aquela foneticamente audível. Isto dificultava ainda mais a composição, já que nem sempre havia identidade entre as sílabas poéticas e as gramaticais.

Terminar um soneto demandava grande empenho. Do cérebro e do coração. Do cérebro, para garimpar palavras, compor e recompor frases, invertê-las, amoldá-las ao gabarito, diversificar a maneira de dizer; do coração, para sustentar o sentimento e a verve inspiradora que serviam de suporte para o poema em gestação. Os embaraços eram frequentes: fechava a rima, faltavam sílabas; arrumavam-se as sílabas, bagunçava-se a cadência. E lá se iam horas, muitas horas, para terminar (o que nem sempre acontecia) um pequeno texto de 14 linhas. Mas, finalmente, lá estava ele, o soneto, esbelto, majestoso, gratificante como um troféu duramente conquistado. Ufa! Viva o soneto!

Camões, Bilac, Vinicius, e outros tantos, deixaram para a história sonetos de rara inspiração e beleza. De Camões, por exemplo, é memorável o seu Soneto XIII: Alma minha gentil, que te partiste/Tão cedo d’esta vida descontente,/Repousa lá no céu eternamente,/E viva eu cá na terra sempre triste.[...].De Bilac, o Língua Portuguesa: Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/Ouro nativo, que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos vela...[...]. E, de Vinícius, o Soneto de Fidelidade, que termina assim: Eu possa me dizer do amor (que tive):/Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure.

Mas, para homenagear o soneto, vale também Júlio Salusse. A composição encanta, pela serenidade e esplendor poético:
CISNES

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol, vermelho e quente,
Nós dois vagamos, indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia, um cisne morrerá por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne...
(
Extraído do livro Antologia dos Poetas Brasileiros. Rio: Nova Fronteira, 1996, p. 287)


Viva o soneto!