sexta-feira, 27 de março de 2009

Respeito aos Tribunais de Contas!

Não é edificante, do ponto de vista da ética política, a forma como transita na mídia a questão relativa ao preenchimento dos cargos de conselheiro dos Tribunais de Contas. Pelo menos em Santa Catarina. Repassa e impressão de que as preocupações são mais de cunho político-partidário do que institucionais. Importa mais saber que espaços políticos seriam abertos a partir da indicação desse ou daquele candidato do que qual a contribuição que poderia ser dada para o resgate efetivo dos compromissos funcionais do órgão.

Não é justo. Nem para os Tribunais de Contas nem para aquele que deverá integrá-lo. Menos ainda para a população.

De acordo com a Constituição, cabe aos Tribunais de Contas exercer a fiscalização orçamentária, contábil, financeira e operacional dos entes públicos — para saber se foram observados os princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade, se as subvenções foram corretamente aplicadas e se não houve renúncia irregular de receita. Convenhamos, é uma função muito importante para ser exposta no tabuleiro xexelento onde costumam ser negociados os interesses político-partidários. Nenhum Tribunal de Contas merece.

Também é ruim para o virtual e futuro conselheiro. Tratam-no, muitas vezes, como um fantoche, à mercê dos interesses do partido (ou dos partidos), sem qualquer realce dos atributos pessoais que o qualificariam ao exercício do cargo. É quase uma desumanidade.

A população, por fim, é quem mais padece. Fica com a sensação de que a classe política, definitivamente, preocupa-se mais em sustentar-se no poder, viabilizando projetos pessoais de alguns de seus integrantes, do que em acudir aos superiores interesses da Nação. E eis que, por conta disso, crenças e esperanças se desvanecem, alcançadas pelas cinzas de uma ética política frágil e decadente. É de chorar!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Sua Majestade o Soneto

O que é um soneto? Muitos, talvez, não saibam responder. Muitos dos modernos compêndios de gramática já não falam dele. Compreende-se. A vida atual reclama praticidade, urgência, resultados. Já não basta “ser”, é preciso “ter” – porque ninguém reparte. E isso não combina com as antigas formas de expressão poética, que exigiam ritmo, métrica e rima – consequentemente, tempo e paciência.

De fato, compor um soneto não era tarefa fácil. O mais comum era o decassílabo (ou heróico). Compunha-se de dois quartetos (conjunto de quatro versos) e dois tercetos, com rima cruzada ou intercalada nas sílabas finais de cada verso. Mas a dificuldade maior não era a rima, que devia, preferencialmente, ser rica (palavras de categorias gramaticais diferentes com terminações incomuns), em oposição à rima pobre (palavras da mesma categoria gramatical com as terminações correntes ão, ar, ava, ado). O problema é que cada verso precisava de dez sílabas poéticas, com acentuação tônica na sexta e na décima, na segunda, na quarta e na décima ou na quarta, na oitava e na décima – tudo para garantir-lhe a cadência, o ritmo. Mais um detalhe: considerava-se sílaba poética somente aquela foneticamente audível. Isto dificultava ainda mais a composição, já que nem sempre havia identidade entre as sílabas poéticas e as gramaticais.

Terminar um soneto demandava grande empenho. Do cérebro e do coração. Do cérebro, para garimpar palavras, compor e recompor frases, invertê-las, amoldá-las ao gabarito, diversificar a maneira de dizer; do coração, para sustentar o sentimento e a verve inspiradora que serviam de suporte para o poema em gestação. Os embaraços eram frequentes: fechava a rima, faltavam sílabas; arrumavam-se as sílabas, bagunçava-se a cadência. E lá se iam horas, muitas horas, para terminar (o que nem sempre acontecia) um pequeno texto de 14 linhas. Mas, finalmente, lá estava ele, o soneto, esbelto, majestoso, gratificante como um troféu duramente conquistado. Ufa! Viva o soneto!

Camões, Bilac, Vinicius, e outros tantos, deixaram para a história sonetos de rara inspiração e beleza. De Camões, por exemplo, é memorável o seu Soneto XIII: Alma minha gentil, que te partiste/Tão cedo d’esta vida descontente,/Repousa lá no céu eternamente,/E viva eu cá na terra sempre triste.[...].De Bilac, o Língua Portuguesa: Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/Ouro nativo, que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos vela...[...]. E, de Vinícius, o Soneto de Fidelidade, que termina assim: Eu possa me dizer do amor (que tive):/Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure.

Mas, para homenagear o soneto, vale também Júlio Salusse. A composição encanta, pela serenidade e esplendor poético:
CISNES

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol, vermelho e quente,
Nós dois vagamos, indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia, um cisne morrerá por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne...
(
Extraído do livro Antologia dos Poetas Brasileiros. Rio: Nova Fronteira, 1996, p. 287)


Viva o soneto!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Como morrem as instituições

As instituições não nascem do legislador. A lei pode até definir o momento a partir do qual elas passam a existir e a maneira como devem funcionar. Mas quem as cria é o povo. Elas são fruto da cultura, expressão das tradições e dos costumes, da ética coletiva. São o repositório dos valores que orientam a evolução histórica de uma dada comunidade humana no tempo e no espaço.

Por apresentarem esse perfil, costumam ser mais estáveis e duradouras do que os órgãos públicos. Algumas a própria Constituição as define como “permanentes”, como é o caso do Ministério Público e das Forças Armadas. Mas isto não significa que sejam imperecíveis e imutáveis: é o pulsar da sociedade que as modela, determina o seu crescimento, a sua estagnação ou a sua morte.

Embrionariamente, as instituições desenvolvem-se no caldo de cultura no qual está mergulhada a sociedade. É ali que elas se delineiam e têm definidas suas funções e finalidades. Mas, depois, só crescem e se sustentam se demonstrarem capacidade para atingir os fins para os quais foram engendradas. Caso se mostrem inaptas, perdem a outorga social em favor de outro organismo qualquer, capaz de implementar a tarefa perante a qual fraquejaram. Tudo porque a sociedade é um organismo vivo e inteligente, em luta inexorável e contínua pela conquista do bem-estar coletivo. E, em seu elevado senso crítico, não tolera a ineficiência, a omissão ou o desvio de rumo de suas instituições.

Vários fatores podem determinar o enfraquecimento e a morte das instituições. A fanfarronice e o egoísmo corporativo, e a miopia política, são os mais comuns.
A fanfarronice corporativa acontece quando a instituição, imaginando-se rica e poderosa, cai direto na farra, banqueteando-se com o estoque do patrimônio político e material anteriormente amealhado. Supondo-o inesgotável, nada faz para renová-lo: não cria, não trabalha, não se despoja do supérfluo, não regula a gastança inútil. Como se a sua história, por si só, a legitimasse ao crédito e ao respeito popular. A consequência não tarda: a sociedade cansa e a dispensa.
O egoísmo corporativo não é muito diferente. A instituição abandona sua posição real e encastela-se; arvora-se em reino independente, empina o nariz, institui monopólios: da sabedoria, da sensibilidade política, das boas intenções. E assim, soberba, desconfia das suas vizinhas e co-irmãs, descrimina-as, nega-se a estender-lhes a mão ou a com elas compor forças. Supõe que, sozinha, poderá promover o bem comum, sem necessidade de repartir os possíveis benefícios políticos que poderão vir depois. O resultado é inevitável: morre no desprezo e na solidão.
Dos três fatores citados, a miopia política parece o mais disseminado. A instituição politicamente míope não consegue identificar os verdadeiros motivos pelos quais existe; nem os resultados que pode e deve gerar. É um ente político atormentado, errático, quase inútil. Sua existência é mantida às custas de uma burocracia vegetativa, floreada com raras e ineptas ações finalísticas que, quando não fracassam no início, acabam errando o alvo. Ou acertando aquele que devia ser poupado. Instituições desse tipo são modorrentas, onerosas, custam a desaparecer. Mas, devagar, vão perdendo o viço, o prestígio, o respeito. Finalmente, morrem de inanição.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Passaporte para matar


De acordo com a lei, cabe ao Ministério da Justiça defender a ordem jurídica, os direitos políticos e as garantias constitucionais. Defender a ordem jurídica significa zelar para que as leis sejam fielmente cumpridas, inclusive aquelas que protegem a vida, a integridade física e a propriedade.
O ministro Tarso Genro parece não saber disso. Recentemente, integrantes do MST assassinaram sem piedade quatro pessoas no Estado de Pernambuco. Diante da gravidade e da repercussão do crime, o dever do ministro era empenhar-se para ver os responsáveis punidos. Rapidamente. Preferiu, contudo, minimizar o fato, qualificando-o como uma simples “mobilização mais arrojada”.
Não é a primeira vez que a paixão ideológica do ministro prevalece sobre os ditames da ordem jurídica. Não faz muito, colocou o Brasil em maus lençóis e irritou a comunidade européia ao conceder asilo político ao fugitivo Cesare Battisti, condenado na Itália pela prática de quatro assassinatos. Argumentou que se tratava de “perseguição”, e que os crimes por ele cometidos seriam “políticos”, contrapondo-se à decisão soberana da justiça italiana.
Posições como essas, num país com índices crescentes de violência e criminalidade como o Brasil, são extremamente perigosas — ainda mais quando assumidas pelo ministro responsável pela promoção da justiça. Permitem presumir que, para defender uma ideologia, pessoas poderiam ser oficialmente autorizadas a receber um novo passaporte: o passaporte para matar.
Todos sabemos que, como cidadão, o senhor Tarso Genro pode apaixonar-se por qualquer doutrina, pensar e dizer o que quiser. Mas, como Ministro de Estado, deve obedecer plenamente à Constituição e às leis brasileiras. Se não consegue fazer isso, que vá embora. Não serve para ministro.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Produtividade e Justiça

O sistema de justiça no Brasil (compreendido, restritamente, como a expressão operacional da Advocacia, do Ministério Público e do Judiciário) começa, a exemplo do que há muito acontece na iniciativa privada, a preocupar-se com a produtividade. Estaria com a pretensão de dar fim às montanhas de processos sem julgamento existentes nos fóruns e tribunais.
É motivo de otimismo. Mesmo não sendo espontânea, já que a definição de metas de produtividade foi estabelecida pela pela Reforma do Judiciário, não seria justo presumir que essa preocupação em nada contribuirá para a agilização da justiça.
O que não se pode afastar é o risco de o sistema, no afã de incrementar a produtividade, vir a gerar mais números do que justiça. A tentação é grande. Afinal, são os números, estampados em gráficos e relatórios, que costumam estimular as volúpias corporativas, desencadeando pleitos nem sempre justificáveis de expansão estrutural e de aumento do número de cargos e de salários. São eles também (os números) que, através do marketing, podem repassar a impressão de que o dever de casa foi intregralmente cumprido, projetando um virtual fortalecimento do patrimônio político das corporações.
E é muito fácil gerar números! Dá para exemplificar. Caso 1: Ao receber milhares de ações de cobrança de IPTU, o juiz constata uma irregularidade e opta por extinguir todas elas - embora pudesse mandar corrigi-las. Com isso, ela gera milhares de sentenças, que podem gerar milhares de recursos e, depois, milhares de acórdãos do tribunal que irá apreciá-los. Caso 2: Uma concessionária de serviço pública lança irregularmente uma determinada taxa nas faturas. O sistema (leia-se, no caso, o Promotor), mesmo podendo atacar globalmente o problema através de uma ação coletiva, permanece inerte, exigindo que cada um dos prejudicados vá à Justiça sozinho buscar a reparação do prejuízo, atulhando o fórum com outras tantas milhares de ações.
Pronto, eis os números! E são esses números que, muitas vezes, inflam as planilhas de produtividade. E também o o ego das corporações.
Que não haja ilusões, situações como essas não são raras. E não se pode negar que comprometem a credibilidade e o conteúdo ético dos dados estatísticos apresentados pelo sistema e dificultam sobremaneira o exercício dos controles confiados ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Talvez fosse o caso de, em vez da produtividade, dar maior ênfase à racionalidade e à eficiência. Não para gerar apenas números, mas para gerar justiça. Para reduzir, efetivamente, os conflitos. A paz social sairia enriquecida.

terça-feira, 3 de março de 2009

Nepotismo, realidade e mito

Foi notável a contribuição do Ministério Público, especialmente do catarinense, no combate ao nepotismo. Resultado de ação desenvolvida ao tempo da gestão do Procurador-Geral Pedro Sérgio Steil, muitos municípios no Estado modificaram suas leis e acabaram proibindo a nomeação de parentes para cargos de confiança na Administração. E, no plano nacional, o Supremo editou a Súmula Vinculante n. 13, probindo práticas nepotísticas em todo o país. É possível que a iniciativa de Santa Catarina tenha contribuído.
São registros positivos. Presume-se que estimularão a ética administrativa e poderão reduzir o parasitarismo no serviço público, resultante da nomeação de parentes não qualificados, ainda frequente no país.
Mas é preciso acompanhar esse processo com cautela. Há iniciativas que, apesar do aparente conteúdo ético, não conseguem ocultar seu caráter demagógico, além de serem juridicamente pouco eficazes. É o caso, por exemplo, do decreto assinado dia 6 de novembro de 2008 pelo governador de Santa Catarina. Tratando-se de "decreto", norma unilateral e subalterna, que nasce e morre segundo a vontade de quem a edita, serve mais para mascarar do que para definir marcos jurídicos aptos a inibir, realmente, o nepotismo.
Prestigiada pela mídia, a medida é eleitoralmente eficaz. Do ponto de vista ético-jurídico, vale pouco. O decreto não acaba com o nepotismo. Apenas consegue mascará-lo e ocultá-lo, na medida em que se limita a remeter os casos identificados à "análise" da Secretaria da Administração (art. 5º, § 2º). Se houvesse a real intenção de exterminá-lo, teria determinado a anulação de todos os atos de nomeação editados em desacordo com a Súmula. E o Governador teria proposto emenda à Constituição Estadual probindo-o em todo o Estado de Santa Catarina. Não o fez.
Por essa e por outras, conclui-se que a ética na administração pública é um cenário ainda distante. E, para construí-lo, vislumbra-se uma longa e penosa caminhada. Para vencê-la, será preciso mais do que perfumarias: exigem-se sentimentos e valores éticos verdadeiros por parte dos agentes públicos, especialmente os que detêm poder. A questão é moral, muito mais do jurídica - uma nova cultura precisa ser construída.